Vox nostra resonat
A guitarra na GalizaO fundo guitarrístico de Javier Pintos Fonseca (4). As partituras
Isabel Rei Samartim

Antes de acabar a série sobre Pintos Fonseca queria comentar algo mais do repertório que aparece na sua coleção e que a converte numa das coleções de guitarra mais interessantes da Europa.
Julián Arcas (1832-1882)
Dentro dos autores mediterrânicos (catalães, valencianos e murcianos) contidos no fundo de Pintos Fonseca destacam as sete obras de
O grande pianista Thalberg influiu no seu momento todos os músicos peninsulares e muitos guitarristas arranjaram as suas obras para as introduzir nos repertórios de concerto. Nesta ópera de Rossini, Arcas aplica a sua fina destreza para traduzir à linguagem guitarrística a música de outros instrumentos. Inclui trémolos, escalas e cadenzas que adornam a transcrição e mantêm o equilíbrio da obra original ao tempo que lhe imprimem as qualidades da guitarra.
El postillón de la Rioja é também uma obra de dificuldade média-alta, sendo os minuetes, o andante e a polonesa obras mais simples e adaptadas ao nível do amador médio, sempre conservando o nível compositivo de Arcas. Sem dúvida, o excelente guitarrista almeriense influiu de modo fulcral no tipo de repertório e nos guitarristas em toda a península durante toda a segunda metade do século XIX.
Notar que Arcas tocava por volta da década de 1850 uma obra de sabor galego primeiro intitulada La gaita gallega variada, depois La gallegada e também La muñeira (p. 76). Não sabemos se esta última teria algo a ver com a moinheira publicada mais tarde por Campo Castro, presente no fundo de Pintos Fonseca. Além de Arcas, também Antonio Cano e Trinidad Huerta tocaram gallegadas em concerto (p. 74).
Josep Ferrer (1835-1916)
Mas, dos mediterrânicos, os mais abundantes são os autores catalães com nove obras de
As obras de Ferrer conservadas no fundo Pintos Fonseca são originais e, na sua maioria, estão dedicadas a amigos e alunas, como as Veladas íntimas ao artista Joan Ferrer Carreras, as Impresiones juveniles ao amigo Magin Alegre, Los encantos de Paris ao professor do conservatório de Barcelona Francisco Sánchez Gabagnach, a Elegía fantástica ao guitarrista
Brocá, Costa, Sirera e Nogués
De Josep Brocá Codina (1805-1882) conservou Pintos Fonseca duas obras: Recuerdos juveniles e Albores. De Josep Costa Hugas (1827-1881) há dous arranjos: Sinfonia de la ópera el Barbero de Sevilla de Rossini, e Grande andante della 4ª sinfonia de Mendelssohn. De Josep Sirera Prats (1884-1931) está a Gran marcha de la salida de Ernesto en la ópera del Pirata de Bellini, que se anunciava à venda no Diario de Avisos de Madrid (1830). E de Joan Nogués Pon (1875-1930), um arranjo da Sonata n.º 3 de Beethoven. Todas estas obras apresentam um nível técnico médio-alto e uma boa qualidade musical, características procuradas pelo nosso guitarrista Javier Pintos Fonseca. Para mais sobre os autores catalães ver Mangado (1998).
Antonio Crespí
A adoração por Beethoven tem a ver com a militância teosófica de Pintos no grupo “Marco Aurélio” da Ponte Vedra. O inspirador do movimento teosófico espanhol, o cacerenho Mario Roso de Luna (1872-1931), publicou o seu Beethoven, teósofo na Ponte Vedra, graças a Javier Pintos. Assim, uma outra obra de Beethoven conservada neste fundo é o Andante da Sonata op. 14, n.º 2, cópia e arranjo para guitarra realizado por Antonio Crespí em setembro de 1915 e dedicada a Pintos. Na última página aparece assinatura e a dedicatória:
Perpetrado expresamente para el fervoroso y distinguido beethoveniano, Sr. D. Javier Pintos, en acción de gracias de su amigo y servidor Antonio Crespí.
O arranjador era Antonio
Música de câmara
Publicada na Itália por Ricordi era a obra de Mauro
Outras obras editadas por Ricordi, conservadas neste fundo, são a da compositora inglesa Augusta E.
Do arranjo anónimo de I Lombardi de Verdi, editado também por Ricordi, dizer que na capa há uma relação das obras arranjadas para guitarra e publicadas pela editora dos autores operísticos mais importantes: Meyerbeer, Verdi, Bellini, Donizetti, Pacini. Contém três arranjos singelos da Cavatina "Come poteva" na ópera I Lombardi de Verdi e de duas árias: "La pietade in suo favore" e "Ah! muore" em Lucia di Lammermoor de Donizetti. É música de alta qualidade para amadores, e de uso corrente, pelo que nem se considera publicar a autoria do arranjo.
Há neste fundo também uma série de obras para guitarra e instrumento melódico, normalmente o violino, muito simples, que contrastam com as outras obras mais virtuosísticas. É música de autores pouco conhecidos e publicados em Pamplona ou comprados na
De R. V. conservam-se 5 arranjos para guitarra e violino e guitarra de duas obras de G. Casajús (El ambiente e Coquetuela), duas de A. Goya (Un suspiro e Su mirada) e uma de J. Santos (El santoñés), editadas por L. E. Dotésio e F.
Aprofundando na música argentina
Como já foi dito, Pintos Fonseca tinha uma boa representação de autores, editores e música argentina, como era de esperar dadas as suas amizades musicais naquele país americano. Assim, no fundo conservam-se oito obras de Juan Alais Moncada: El gato, Zamacueca, La güeya, 2º Pericon, Cielo e La milonga, La criollita de Frígola e 6 estilos criollos sobre música popular argentina. Mais três obras de Carlos García Tolsa: Matilde, Una esperanza e Lejos de ti. Mais duas obras de Gaspar Sagreras: Manonga e Una lágrima, que fazem um belo conjunto de música argentina do fim do século XIX e começo do XX. Na obra de Alais, La milonga, vemos o seguinte autógrafo de José Portela Palacios, assinado em Magdalena (República Argentina) em dezembro de 1895: "A mi mejor amigo Javier Pintos Fonseca como prueba del más leal respeto le dedica este pequeño recuerdo criollo".
Estas obras foram publicadas pelas editoras de E. Halitzky, C. Schnöckel e F. Stefani. O conjunto de peças é de feitura singela, mas de grande fineza compositiva, conseguindo com poucas filigranas ajudar ao desenvolvimento da nova música popular argentina para guitarra. Os guitarristas foram tratados por
José Fola e Eduardo del Vando
O deputado pelo Partido Galeguista em 1936, Ramon Suárez Picallo, escrevia já no exílio umas emocionantes crónicas desde Chile a modo de memórias da sua vida política na Galiza. No capítulo intitulado Miting a jornada acabava com uma representação dramática de uma obra de José Fola Itúrbide (Suárez Picallo, 2008, p. 338).
Seria este dramaturgo um parente do matemático valenciano Apolinar Fola Itúrbide, membro da Real Academia de Ciencias Exactas, Físicas y Naturales desde 1883? (Real Academia de Ciencias Exactas, p. 134) E, ambos Folas, seriam familiares do guitarrista Fola Itúrbide que se menciona na imprensa galega? (El Lucense, 1893). Ou o dramaturgo José Fola Itúrbide seria a mesma pessoa que o guitarrista
O motivo da estadia de José Fola na Ponte Vedra explica-o Javier Pintos quando anota no seu diário, em 1 de setembro de 1890:
El notable guitarrista D. José Fola vino a Pontevedra a pasar una temporada con su suegro D. Montiel, Jefe de Fomento de esta provincia. [...] Con él toqué la guitarra en su casa y en la del Yngeniero Jefe de Obras publicas D. Alejandro [C.?].
Estes indícios são suficientes para suspeitar uma relação familiar, ou de identidade, entre o dramaturgo castelhonense José Fola Igúrbide (18?? -1918), assim chamado pela Universitat Jaume I, em cujo repositório pode consultar-se a sua obra digitalizada, e o guitarrista José Fola.
A Mazurka de los Paraguas é o arranjo de
Fica por aqui a relação de amizades, ligações, obras e vida musical de Javier Pintos Fonseca, um dos nossos guitarristas e intelectuais mais completos e prolíficos, cuja influência na Ponte Vedra foi fulcral e o grande motor da vida musical da cidade.
Bibliografia
Citron, M. (1993). Gender and the Musical Canon. Cambridge: Cambridge University Press.
Diario de avisos de Madrid (1830). Música. Madrid: 16 de julho, p. 4.
El Lucense (1893a). Política europea. Lugo: 3 de janeiro, p. 2.
Eresbil. F. Ripalda, editor. Editoriales musicales de Euskal Herria (s. XV-1950).
Landín Tobío, P. (1999). De mi viejo carnet. Ponte Vedra: Deputación Provincial de Pontevedra.
Mangado Artigas, J. M. (1998). La guitarra en Cataluña. Londres:Tecla Editions.
Plesch, M. (1999a). Alais, Juan. Casares, E. (Dir.) Diccionario de la música española e hispanoamericana, 1, (154). Madrid: Sociedad General de Autores y Editores.
Plesch, M. (1999b). García Tolsa, Carlos. Casares, E. (Dir.) Diccionario de la música española e hispanoamericana, 5, (495-496). Madrid: Sociedad General de Autores y Editores.
Plesch, M. (1999c). Sagreras, 1. Gaspar; 2. Julio Salvador. Casares, E. (Dir.) Diccionario de la música española e hispanoamericana, 9, (538-539). Madrid: Sociedad General de Autores y Editores.
Real Academia de Ciencias Exactas, Físicas y Naturales (s. d.). Relación de académicos desde el año 1847 hasta el 2003.
Rei-Samartim, I. (2020). A guitarra na Galiza. Tese de doutoramento. Universidade de Santiago de Compostela.
Suárez-Pajares, J. e Rioja Vázquez, E. (2003). El guitarrista almeriense Julián Arcas (1832-1882). Una biografía documental. Almeria: Instituto de Estudios Almerienses.
Suárez Picallo, R. (2008). La feria del mundo: crónicas desde Chile (1942-1956). Santiago de Compostela: Consello da Cultura Galega.
Universitat Jaume I. Fola Igúrbide, José. Repositório.
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