Vox nostra resonat
A guitarra na GalizaO virtuoso bandolinista viguês José Mourinho Vilas (1891-1978)
Isabel Rei Samartim

Cumprimos o anunciado em artigos anteriores e tratamos hoje da figura do virtuoso bandolinista de Vigo, industrial, compositor e vereador José
Filho de José Manuel Mourinho Fernandes e Marcelina Vilas Caride, com 15 anos de idade, José Mourinho Vilas tira a qualificação de sobressaliente em Desenho Geométrico Industrial na Escola de Artes e Indústrias de Vigo (NV, 1906). Somente cinco anos mais tarde, com 20 anos, estreia a sua primeira composição musical, um passodoble intitulado Mi primero, interpretado pela Banda Municipal de Vigo no passeio da Alameda (NV, 1911).
No mesmo jornal que dá esta informação vemos o anúncio da atuação do Trio Nebot no café Victoria, grupo de plectro formado por guitarristas valencianos que trataremos noutro artigo. A atividade guitarrística em Vigo está nestes anos em plena efervescência, a seguir o ambiente da cidade, que cresce em comércio, tamanho e cultura desde as últimas décadas do século XIX.
José Mourinho desenvolve a sua atividade musical e entra em contato com o guitarrista e compositor ourensano Ramón . Em 1912 é quando eles dous se apresentam ao concurso italiano de composição, convocado em Bérgamo pela Federazione Mandolinistica Italiana, através do seu órgão de divulgação que era a revista
Em 15 de abril o jornal italiano de cordofones dedilhados, Il Plettro, publica a relação de premiados no seu quarto concurso de composição, onde aparecem Ramón Gutiérrez Parada com Diploma di I grado pela obra Gavotta: Pensando en ti, e José Mourinho Vilas com Diploma di II grado pela obra Marcia: Mi primera. O júri estava formado pelos guitarristas italianos Luigi , Aldo e Armanno .
O primeiro prémio foi para o regente da banda militar de Novara, Francesco Amoroso, por uma Polacca para bandolim e piano, em “stile difficile”, intitulada Chi sa? (Quem sabe?). A capa do jornal reproduzia uma fotografia do premiado (IP, 1912a).
Dias mais tarde, em 23 e 24 de abril, a imprensa na Galiza celebrava os prémios dando valor ao facto de serem os únicos ‘espanhóis’, os dous galegos, a concorrerem no concurso (EDP, NV, 1912).
Meses adiante, a revista italiana dedicará um número à publicação da partitura premiada de José Mourinho. Em 30 de setembro desse ano, Il Plettro publica a obra Mi primera. Marcia per Quartetto Mandolinistico, lembrando que foi Diploma de Honra no concurso de Bérgamo. Na capa do jornal figura uma linda fotografia de José Mourinho, com o seu nome e a legenda: “Concertista di mandolino”. Nas páginas interiores acha-se a partitura, dedicada à direção do jornal e escrita para dous bandolins, bandola e guitarra (IP, 1912b).
A foto que reproduz o jornal italiano foi tirada no estúdio do fotógrafo viguês Pacheco, associado à Viúva de Prósperi, um outro fotógrafo de origem italiana, natural de Perusa, estabelecido em Vigo já no último terço do século XIX. Reproduzimos uma imagem da foto original que se conserva no arquivo do pianista Alejo
É assim que datamos a fotografia do ano 1912, que seria feita para enviar à Itália com a finalidade de ser reproduzida, como finalmente foi, na revista Il Plettro, com motivo da publicação da partitura premiada de Mourinho. A peça Mi primera. Marcia é uma marcha do tipo militar, que nos instrumentos de corda dedilhada soa muito mais doce e amável. Está composta em dous quartos e começa com uma breve introdução muito rítmica e fastuosa, quase circense. A seguir aparece o primeiro tema cuja melodia levam os bandolins, depois vem o segundo tema, contrastante com o anterior, com melodia na bandola e guitarra, enquanto os bandolins fazem um acompanhamento rítmico a contraparte. Finalmente aparece o terceiro tema, em Trio, também contrastante com os anteriores e de ar muito mais melódico. O conjunto é uma deliciosa amostra da música criada na Galiza para grupos de plectro e guitarras bem no início do século XX.
Em setembro de 1918, um pletórico José Mourinho casa-se com Maria Guilhermina Cerdeira (EDP, 1918). A sua primeira filha, Paz Mourinho Cerdeira, nascia dous anos mais tarde, em 1920. Nos seguintes anos, a família sofreria a perda de mais duas filhas sendo ainda bebés, Teresa e Carmen. Pacita viveu até ao ano de 2007 (MyHeritage).
A evolução e intensidade da corda dedilhada em Vigo reflete-se nos múltiplos agrupamentos que existiram na cidade. A implicação da burguesia era um dos motores fundamentais, que rivalizava com a intensa e extensa atividade popular em torno dos cordofones dedilhados. José Mourinho também organizou a sua orquestra de plectro, num estilo parecido ao de Javier
A partir da década de 1930 a hemeroteca mostra um Mourinho tão centrado na prosperidade económica quanto nas atuações musicais. Assim, conhecemos que devia ser proprietário do edifício em que estava a sede do estabelecimento comercial de Simeon Garcia e Companhia, pois obtém autorização da Câmara viguesa para ampliar o prédio em abril de 1930 (EPG, 1930b). Nesse mesmo ano a companhia Simeon, proprietária do Banco do mesmo nome, abre um luxuoso local no número 6 da Porta do Sol que
recuerda la descripción de Émile Zola en El paraíso de las Damas, cuando describe el impacto que en Paris tuvieron los primeros grandes almacenes (Facal, 2005).
No mesmo ano Mourinho volta a obter licença da Câmara para comprar uma parcela que era propriedade municipal na rua Prazer (EPG, 1930c). Ele trabalhava nesse momento como interventor da Câmara Municipal viguesa. A ascensão de Mourinho e a sua influência na cidade vão em aumento e um par de anos mais tarde vemo-lo tomando uma posição de força. Junto com o resto da Câmara Municipal, Mourinho apresenta a sua demissão em protesto ao Governador para conseguir a participação de Vigo no Comité do ferro-carril Samora-Ourense-Compostela-Corunha (EPG, 1932a). Imediatamente, Mourinho é nomeado interventor da Junta de Obras e Serviços do Porto de Vigo (EPG, 1932b). Na notícia aparece nomeado como comerciante.
No início de 1934 constitui-se e renova-se parcialmente a Câmara Oficial de Comércio, Indústria e Navegação de Vigo, onde José Mourinho Vilas aparece como membro (EPG, 1934a). Poucos dias mais tarde da notícia anterior, Mourinho Vilas é eleito vice-presidente da Junta de Obras do Porto de Vigo (EPG, 1934b). A sua boa posição social continua intata e em aumento.
Em 1935 o jornal El Emigrado anunciava que a orquestra de plectro estradense, organizada pelo guitarrista Antonio Serafin Pazo, e intitulada Agrupación Artística Estradense, atuou na velada preparada com o quadro de Declamação que interpretou um sainete melodramático. A orquestra tocou um programa em que se incluía a Marcha Mi primera de Mourinho Vilas. Deste evento e do guitarrista estradense
Eis que em 1936 a vida de todas as pessoas na Galiza e na Espanha vai dar um giro de 180º com o golpe frustrado contra o governo legítimo e, seguidamente, a guerra que durou perto de três anos. Em 1937 aparece o nosso virtuoso bandolinista como cabo do exército franquista e cabo de vigilância da Milicia Nacional de Falange Española Tradicionalista y de las J.O.N.S (EPG, 1937a, 1937b). Em 1939 a nova Câmara Municipal franquista impede Mourinho de ser libertado de “contribuciones especiales”, e recusa os herdeiros de García Barbón o direito de urbanização do primeiro tramo da Gran Via (EPG, 1939). Com a brutalidade do franquismo, que procura substituir as elites, a burguesia viguesa vê anulada a sua posição, influência e atividade comercial. Nem pensar em fazer música com este panorama.
Não foi até 1946 quando Mourinho, aos poucos, recuperava parte da sua capacidade industrial com a autorização da Comissão Municipal Permanente da Câmara para executar obras (ECG, 1946). É nesse ano que o arquitecto espanhol Pascual Bravo constrói o prédio na rua Urzáiz, número 5, que hoje leva o nome de José Mourinho Vilas. No ano a seguir produz-se a notícia da constituição da Compañía Inmobiliaria Viguesa S. A., de que José Mourinho era vice-presidente (LN, 1947). Nesse ano, o mesmo arquiteto constrói o prédio do Hotel Lisboa, hoje Hotel Zenit, na Gran Via.
A partir daí a atividade musical de José Mourinho Vilas passou a ser mais organizativa do que interpretativa. Naturalmente, a sua orquestra dos tempos de antes da guerra estava desfeita e ele tinha uma reputação e posição social que recuperar. Assim, vemo-lo em 1957 como membro da Junta Diretiva da recém fundada Asociación de Amigos de la Ópera (EPG, 1957). Nesse ano candidatou-se a vereador da Câmara Municipal e resultou eleito pelo terço de entidades (LN, 1957).
Em 1958 como vereador eleito, Mourinho Vilas assume a responsabilidade das comissões municipais de Cultura e Arte, Fomento, Hospital e Museu municipal. A partir desse momento, dedicará as energias à melhora dessas áreas na cidade (EPG, 1958). Também na área dos desportos, ainda que de maneira individual, Mourinho Vilas apoiava o Real Clube Celta (EPG, 1959).
Em 1962 celebrou-se nas Travessas o concurso de bandas convocado pela Comissão Municipal de Festas. José Mourinho fazia parte do júri como membro da Comissão de Cultura e Arte, junto do regente da banda municipal de Vigo, Ildefonso
Do mesmo ano é a notícia sobre o ciclo de ópera organizado pela Associação de Amigos da Ópera de que Mourinho fazia parte. As finanças não deviam ir de tudo mal, pois na notícia anuncia-se um orçamento para o ciclo desse ano de 850.000 pesetas e que no ano anterior tinham perdido 125.000 ptas, tudo na conta dos sócios (EPG, 1962b).
Nos seguintes anos Mourinho foi nomeado vogal titular na Junta de Governo da Caixa de Aforros e Monte de Piedade Municipal de Vigo (LN, 1963a). Como vereador da comissão de Cultura e Arte, apresentou uma proposta no Concelho relativa à denominação duma rua com o nome de Antonio Palacios Ramilo, o grande arquiteto viguês, autor do primeiro plano de ordenação urbana da cidade (EPG, 1963). Como vereador da comissão do Museu Municipal, Mourinho apresentou uma nova proposta relativa ao arranjo do Arquivo Municipal (LN, 1963b).
Finalmente vemos o avô José Mourinho Vilas na boda do seu neto José Fernando Carrera Mourinho com Mary Lola Pérez de Juan Romero (EPG, 1972). Parecia que a vida voltava à normalidade após o terrível período franquista, mas não se recuperou a efervescência musical da corda dedilhada do primeiro terço do século.
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