Vox nostra resonat
A guitarra na GalizaO exímio guitarrista naviego Amador Campos (1894-1966) (2) no após-guerra
Isabel Rei Samartim

Depois da Guerra da Espanha, regista-se de Amador Campos um concerto solto em 1939, em Compostela, e mais alguns na mesma cidade entre os anos 1942 e 1944. Também em anos posteriores tocou por toda a Galiza. Em Vigo, Amador Campos era amigo do odontólogo Jesus Castañer, pai do Trio Castañer formado por Rosalia, Bernardo e Ángel, que tocavam bandolim, bandurra e guitarra respetivamente. Segundo o testemunho de Ángel Castañer, odontólogo como o pai, Amador Campos era bom amigo da família e costumava ficar na casa deles quando tinha giras galegas, o qual acontecia com frequência. Os concertos não estavam bem pagados e para que fossem rendíveis tinha de economizar nas viagens e alojamentos. Daí a necessidade de ficar em casas de amigos ao longo das tournés.
Entre 1942 e 1956 registam-se na hemeroteca galega e no arquivo familiar uns 30 documentos de concertos e atuações, que são poucos em comparação com o período anterior à Guerra. Referem-se a concertos soltos e pequenas giras pela Galiza e a Espanha. Os tempos do franquismo foram muito duros para as pessoas como Amador Campos, firmes defensoras da igualdade social e do ateísmo e críticas com o comportamento clerical da Igreja católica. Assim a sua carreira por América Latina nem sequer começou, e os insistentes concertos que deu na península ao longo dessas décadas não foram suficientes para ser considerado como o grande intérprete que era.
Deixamos aqui uma breve crónica do jornal La Noche, do concerto dado na Unión Protectora de Artesanos, em Compostela, em 30 de agosto de 1956:
Un selecto público llenaba por completo los salones de la Sociedad, premiando con cerradas ovaciones cada una de las obras ejecutadas. Al final de este magistral concierto, el público puesto de pie rindió un homenaje de cariño y admiración al maestro Campos, que deja en Santiago un grato recuerdo.
Outro trabalho que realizou ao longo da sua vida foram as aulas particulares ao seu alunado. Assim, é sabido na família que tinha bastantes alunos em Madrid, também na Corunha, onde chegou a ser professor numa academia e, naturalmente, nas Astúrias. A última notícia da hemeroteca galega onde aparece o nome de Amador Campos é uma entrevista ao menino Isaac Vazquez
Antes dessa data, entre os anos 1951 e 1952 Amador Campos voltou de novo a Madrid, onde foi contratado em diversas ocasiões para realizar várias séries de concertos no prestigioso Café Varela, situado no número 37 da rua Preciados. As funções costumavam ser às 23h, durante várias semanas. Está registado nos meses de abril, maio, junho, dezembro e janeiro entre esses dous anos, sempre com programas diferentes.
As obras tocadas em concerto e as compostas por Amador Campos
Com os programas das últimas décadas do século XIX e primeiras do XX, às vezes é complicado identificar autores e obras corretamente. Temos visto que com Parga já acontecia, aconteceu também com
Assim, segundo os programas conservados, Amador Campos teria composto as seguintes obras: Trémolo (estudo), Gavota, Guajira, Pericón, Gran Jota Aragonesa, Aires Asturianos, Danza mora, Soleares e Vals de armónicas. É possível, vista a cultura de variação que havia na época, que o Pericón fosse o de Fortea, que a Gran Jota Aragonesa fosse a de Arcas e que as Soleares fossem as de
Por outro lado, nos programas também aparecem obras atribuídas a um tal “Guilliani”, que achamos seja Mauro , do qual Amador Campos devia tocar alguma obra que aparece indicada como “Melodia italiana”, ainda que também aparece como “Evocación” e poderia ser uma das peças da série Choix de mes fleurs chéries Op. 46, publicadas por G. Lorenzi na Florença e dedicadas a Jules Giraud, político francês, que cada uma delas evoca uma flor. Também pode ser que a “Melodia italiana” e a “Evocación” fossem duas peças diferentes de Mauro Giuliani e não a mesma peça. O que já não parece tão verosímil é a “Melodia portuguesa” atribuída ao mesmo guitarrista italiano, que noutro programa aparece atribuída a , supomos que o galego Pascoal Veiga. Não fazemos ideia de qual poderia ser essa melodia portuguesa, mas talvez era o modo que tinha Amador Campos de incluir a música galega, ou galego-portuguesa, no seu repertório. Também aparece nos programas outra “Melodia italiana” de Matteo . Além disto, as obras tocadas em concerto por Amador Campos de que identificamos bem os seus autores foram:
Francisco Tárrega: Maria, Rosita, Gavota, Capricho árabe, Recuerdos de la Alhambra, Pavana, Vals e Marieta.
Miguel
: El testament d’Amelia.Josep
: Vals romántico.Fernando
: Minueto em Lá, Minueto em Sol, Variações sobre a Flauta Mágica.Napoleão
: Estudio brillante, Outro estudo, Sonatina (esta poderá ser alguma das obras de Coste, de outro título, com forma Sonata e sem secção de desenvolvimento).Daniel Fortea: Aires argentinos e Improvisación.
Federico
: Fandanguillo (da Suite castellana) e Nocturno.Julián Arcas: Bolero, Panaderos, Soleá, Tango, Jota aragonesa.
Émile : Vals Dolores op. 170.
Luigi : Feste Lariane.
: Gavota.
Isaac : Leyenda, Sevilla, Torre Bermeja.
Enrique : Danza española op. 37, n.º 5 “Andaluza”.
Antonio : Trémolo, Estudio.
Félix : Canzonetta.
Franz : Momento musical (pode ser o mais famoso, o n.º 3, arr. de Tárrega).
Richard : Berceuse op. 124 n.º 16 (Schlummerlied).
Edvard : Canción de Solvej (da Suite n.º 2 de Peer Gynt).
Joaquín : Serenata española.
Joaquín : Clavelitos.
Ramón Montoya: Soleares, Tarantas, Alegrías.
Paco de : Soleá, Granadina, Alegrías.
Com La Orquesta Diavólica tocou, e foi retransmitido pela rádio (relação incompleta): Danzas mágicas 1ª y 2ª de , Andante de la Casation de , Sevilla de Albéniz, Momento musical de Schubert.
Muitas das transcrições que figuram na relação anterior e que Amador Campos tocava eram de Tárrega e de Fortea, alguma era de Llobet, ainda que cabe deixar a hipótese de ele mesmo realizar as transcrições de algumas obras, pois conservam-se partituras que assim o demonstram:
- Uma revisão e dedilhação com letra de Amador Campos de Maria de Tárrega.
- Outra copia manuscrita de Maria com dedilhação de Amador Campos, copiada e assinada por Alfredo Lopez Fernandez em Vigo em 10 de outubro de 1937.
- Uma cópia da Pavana de Tárrega por Amador Campos.
- A transcrição de Sevilla de Albéniz por Miguel Llobet, copiada e assinada por Amador Campos em Návia a 23 de agosto de 1933.
- Um manuscrito a lápis com a transcrição de Amador Campos de um minuete de e outros rascunhos.
A última destas partituras é propriedade da família. As outras conservam-se no arquivo do pianista Alejo
Estes apontamentos sobre o naviego Amador Campos fornecem também elementos para entender o que aconteceu com o repertório galego para guitarra na primeira metade do século XX. Não vemos no seu programa obras de autores galegos, e sim uma influência grande dos guitarristas doutras partes da península. A “guitarra española”, ainda que Tárrega e Fortea fossem valencianos, é já uma realidade palpável nos programas de concerto que corriam pela Galiza. E esse será o repertório que se estenderá por toda a península com a etiqueta mencionada. É nesta época que se conforma aquilo que durante a ditadura será ainda mais explorado e consolidado, que se publicita e estende ao máximo com a chegada da indústria discográfica, a partir do fim da ditadura e o início da etapa da “Transição”. É, portanto, o século XX a época de abafamento da música galega para guitarra e d@s guitarristas galeg@s que, apesar de tudo, continuou a tocar-se nas casas, de portas para dentro.
Por tudo isto, é possível entrever que a origem eu-naviega de Amador Campos, unida à sua determinação democrática em tempos adversos, não lhe ajudou na hora de fazer-se um nome dentro da etiqueta “guitarra española”. A categoria era exclusiva da música castelhano-andaluza, daí a boa adaptação das obras de Albéniz ou de Tárrega. Desse modo, o andaluz Andrés Segovia teria muitas mais possibilidades, pela sua origem territorial, de ser admitido como uma grande estrela da etiqueta, que não o eu-naviego, quase galego, Amador Campos.
Os filhos e as filhas de Amador Campos
Na festa da Gira em 2014 tive o prazer de conhecer e de falar com América e com Alfonso Rodriguez, filha e filho de Amador Campos. A primeira relatou com bastante clareza alguns episódios importantes da vida do pai. O segundo deu a entender a situação social e económica que se vivia naqueles tempos do após-guerra, em Návia. Na sua vida, Alfonso Rodriguez tem sido um destacado defensor da pesca sustentável e do ecologismo naviego, com uma atividade constante de conservação do meio natural da ria e de exortação às instituições públicas a reparar os efeitos da poluição do rio Návia. A família também ficou ligada a descendentes do ilustre
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