Vox nostra resonat

A guitarra na Galiza

Eulógio Gallego Martinez, um virtuoso da Límia (1)

Isabel Rei Samartim
jueves, 20 de abril de 2023
Capa e interior da música do entrudo de 1929 © by http://www.historiadexinzo.wordpress.com Capa e interior da música do entrudo de 1929 © by http://www.historiadexinzo.wordpress.com
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A série de três artigos que vem a continuação é o texto revisado e atualizado em forma e conteúdo do artigo publicado em 2017 no blog Historia de Xinzo, a cargo do pesquisador e amigo Edelmiro Martinez Cerredelo. Aquele artigo original ainda pode ler-se no mesmo lugar. A ligação figura nas referências abaixo. Reitero o meu agradecimento ao Miro Cerredelo pela amabilidade com que me forneceu as informações.

A família de Eulógio Gallego Martinez

O guitarrista Eulógio Gallego Martinez nasceu em Ginzo de Límia, ou Lima, em 2 de setembro de 1880. Foi batizado em dia 4 na paróquia de Santa Marinha e registado no julgado em dia 5 do mesmo mês. Era filho de Santos Gallego Ballesteros (ca. 1851 – 1919), natural de Boia (Aliste, Samora) e Leonarda Martinez Sanchez (ca. 1858 – 1941), natural de Terroso (Seabra), duas localidades antigamente galegas, situadas perto da raia com Portugal (Arquivo Histórico Diocesano de Ourense). Em Ginzo abriram o Hotel Moderno.

Vista da rua General Franco, atual Avenida de Ourense em Ginzo de Límia, onde se localizava o Hotel Moderno de Santos Gallego e Leonarda Martínez. Fonte: Miro Cerredelo. © 2023 by Isabel Rei Samartim.Vista da rua General Franco, atual Avenida de Ourense em Ginzo de Límia, onde se localizava o Hotel Moderno de Santos Gallego e Leonarda Martínez. Fonte: Miro Cerredelo. © 2023 by Isabel Rei Samartim.

Assim, eram trabalhadores autónomos assentados numa pequena vila do interior galaico, com certas possibilidades económicas que lhes permitiram criar treze filhas e filhos, dentre os quais Eulógio iria estudar a carreira eclesiástica, primeiro com os Padres Paulos de Banhos de Molgas, depois no Seminário Maior de Ourense e, finalmente, no de Compostela.

A primeira notícia sobre a família de Gallego Martinez é a do jornal El Eco Antelano, de abril de 1912, recolhida pelo historiador Edelmiro Martinez Cerredelo (2005, p. 74) no seu trabalho sobre a imprensa limiana, em que se relatavam uns sucessos acontecidos entre portugueses que tinham lugar na pousada de Santos Gallego. Entre os anos 1901 e 1918 Santos Gallego figurava como proprietário, nos documentos de nascença de vários dos filhos o ofício anotado era o de “taberneiro”, a partir de 1922 o negócio foi da viúva, Leonarda Martinez, que depois continuaria à frente do estabelecimento (Anuários).

Anúncio do Hotel Moderno de Santos Gallego e Leonarda Martinez. El Eco Antelano, 14 de abril de 1912. Fonte: Miro Cerredelo. © 2023 by Isabel Rei Samartim.Anúncio do Hotel Moderno de Santos Gallego e Leonarda Martinez. El Eco Antelano, 14 de abril de 1912. Fonte: Miro Cerredelo. © 2023 by Isabel Rei Samartim.

Dos irmãos e irmãs de Eulógio Gallego sabemos que estavam bem integrad@s na vida social limiana e que, como em muitas famílias, tinham estado nos dous bandos da disputa política do seu tempo, o fascista e o republicano. Há muitas informações sobre Aurélio, que em 1919, ano da morte do pai, era presidente do Recreo de Artesanos (Martinez, 2005, p. 89), em 1931 era nomeado fiscal do distrito de Ginzo pela Audiência Territorial da Crunha, anos depois era membro da Falange e em 1950 era proprietário duma mercearia.

Um outro irmão, Celso, foi emigrante na Argentina, em 1931 foi nomeado tesoureiro da Sociedade Filarmónica Antelana, constituída em 1929, que tinha escola de música, grupo de plectro, banda, agrupações teatrais e musicais, salão de baile e cinema (Martinez, 2008, p. 47; Castro, Caseiro e Vazquez, 2005, pp. 31-32). Um diretor do grupo de plectro da Filarmónica Antelana foi o guitarrista e gaiteiro Alfonso Villarino Rodriguez (Ginzo, 1916), que depois da desaparição do grupo formou um quarteto de guitarras com seu irmão e os dous irmãos Gelpi, também vizinhos da comarca.

Em 1931 Celso era nomeado membro da Comissão Gestora Republicana de Ginzo, depois da anulação das eleições municipais do mês de abril (Martinez, 2012, p. 160). Foi eleito 3.º Tenente Alcaide (2008, p. 35) pelo Partido Republicano Radical de Lerroux. Por informações de Martinez Cerredelo sabemos que em 1941 figurava como vice-presidente do Círculo Recreativo Antelano, mais conhecido por Casino Antelano, e em 1950 como tesoureiro.

Primeiros estudos em Ginzo

O menino Eulógio Gallego Martinez ingressava com 11 anos de idade na escola dos Padres Paulos que se tinham assentado pouco tempo antes do seu nascimento, em 1869, no santuário de Nossa Senhora dos Milagres, nos Banhos de Molgas, localidade ourensana situada entre Ginzo e a cidade de Ourense. Ali, o menino Eulógio estudou quatro anos de Latim e Humanidades. Depois, com 15 anos de idade, passou ao Seminário Maior de Ourense, onde fez os três anos de Filosofia e os quatro de Teologia que se ministravam naquela instituição. Morou, portanto, na cidade de Ourense, quer como aluno externo, quer interno, durante sete anos letivos (1895-1902) num momento de atividade guitarrística fundamental na cidade (Arquivo Histórico Diocesano de Ourense, cotas 01754/014 e 01755/067).

Em 1902, com 22 anos de idade, Eulógio Gallego continuou os estudos eclesiásticos em Compostela, onde até 1905 completou cinco anos de Teologia, dous de grego e três de Direito Canônico (Arquivo Histórico Diocesano de Compostela, cotas 209, 210, 251 e 306). Mas a realidade é que depois de todos os anos de estudo, dos informes de boa conduta dos seus tutores, e de quatro solicitudes de ordenação, Eulógio Gallego não conseguiu a ordenação de Menores e Sub-diaconado. Foi este um facto relevante que mudou o rumo da sua vida.

Ambiente musical na Límia

Pieza enlazada

A habilidade e o talento de Eulógio Gallego Martinez que se adivinha através das crónicas dos recitais onde participou fazem pensar que o nosso guitarrista tinha aprendido a tocar muito antes de chegar a Compostela. A motivação e contatos que o levaram a desenvolver as suas qualidades musicais através da guitarra há que as procurar, primeiro, na intensa atividade popular e tradicional da comarca de Ginzo e, depois, no ambiente guitarrístico da Ourense de entre séculos.

Em 1753 registava-se um gaiteiro em Ginzo. O catastro do Marquês da Ensenada contém uma listagem e relação juramentada dos empregos, ofícios, artes, faculdades, exercícios mecánicos e de serviços que tinha a vila e os lugares de Lamas e Daimil. Depois dos corregedores, advogados, escrivães, procuradores, ministros ordinários, arrendatários, notários, comerciantes, cirurgiães, alveitares, ferradores, abastecedores, estanqueiros, arrieiros, tecedoras, taberneiras e pintores, aparece um gaiteiro que, junto com o mestre, os seus ingressos são valorizados em 100 réis de velhão anuais, sendo que ferreiros ganham 8, carpinteiros e lavradores 4, sapateiros e alfaiates 3 réis (Martinez, 2016, p. 175):

Gaiteros. A Francisco de Limia, vecino del lugar de Damil, por el oficio de gaitero, respecto no tiene salario diario sino lo que le quieren dar cuando asiste a las funciones, se le regula y contempla tendrá de utilidad por ello al año, cien reales.

Pieza enlazada

A utilidade pública verificada nas funções descritas e no salário anual estimado do gaiteiro indica uma necessidade social de contar com música, pagada por obra, com o estatuto de ofício à par dos outros ofícios.

No último terço do século XIX, Ginzo era uma pequena vila do interior ourensano que no início do século XX contava com 1.316 habitantes e o concelho inteiro com 5.435 (Martinez, 2021, p. 153). O nosso guitarrista nascia em 1880, ano de fortes inundações que provocavam perdas económicas importantes na agricultura e grandes contributos da emigração organizada, como de costume, para ajudar os lugares de origem (p. 150). 

Ao chegar o novo século, nessa comarca aparentemente isolada do mundo a atividade musical era incessante. Os estudos sobre a música popular limiana evidenciam uma inclinação à formação espontânea de grupos, ao fabrico dos próprios instrumentos e o protagonismo da música em festas e eventos durante todo o ano (Castro, Caseiro e Vazquez, 2009).

As bandas de música limianas

Banda Municipal republicana de Ginzo de Límia, ca. 1930. Fonte: Miro Cerredelo. © 2023 by Isabel Rei Samartim.Banda Municipal republicana de Ginzo de Límia, ca. 1930. Fonte: Miro Cerredelo. © 2023 by Isabel Rei Samartim.

Para conhecer o ambiente musical de um lugar é imprescindível seguir a história das suas bandas de música civis. Estes agrupamentos populares, dos mais antigos e numerosos de que temos notícia, começam a organizar-se já na primeira metade do século XIX, inspirados nas bandas militares e como produto da intensa troca musical entre os diversos países que protagonizaram as contendas bélicas, especialmente a França. Em Ginzo, concretamente na paróquia de Parada de Ribeira, tem-se notícia de Manuel Olmos, trombetista autodidata, que ensinou a tocar a vários membros da sua família e formaram na década de 1880 uma pequena agrupação musical.

Mais para a frente, tem-se notícia de que na década de 1920 havia dous agrupamentos musicais do estilo de banda de música, uma na paróquia de Parada de Ribeira e outra na vila de Ginzo. Em 1924, um dos filhos de Manuel Olmos, José Olmos Alonso, funda a Unión Musical de Parada de Ribeira, órgão associativo da banda dessa paróquia. Em Ginzo dirigia outra agrupação bandística o músico Xosé Pena Fuentes que também em 1929 foi nomeado pela Sociedade Filarmónica Antelana diretor da banda de Ginzo.

Martinez Cerredelo (2012, p. 159) recolhe duas bandas em 1930 com os nomes de Lira Antelana, regida por Xosé Álvarez, e Lira de Parada, regida por Xosé Pena. Entre 1936 e 1939 as bandas dissolveram-se e voltaram a se organizar na década de 1940 com o diretor Sr. Salvatierra, pai de Alfonso Salvatierra, que em 1984 era regente de La Lira de Ribadávia. A fonte destas informações é um trabalho de Oscar e Daniel Lopez, filhos e netos de músicos limianos, publicado pelo Concelho de Ginzo em setembro de 2011.

Eulógio Gallego Martinez foi filho desse ambiente artístico e musical que necessariamente havia na Límia. Quando num lugar há uma família de músicos, o que costuma acontecer é a existência dum ambiente onde essa atividade artística se desenvolve com normalidade. No artigo seguinte veremos essa atividade artística até à etapa compostelana.

 Referências bibliográficas
  1. Anuario del comercio, de la industria, de la magistratura y de la administración o Directorio de las 400.000 señas de Madrid, de las provincias, de Ultramar, de los estados hispano-americanos y de Portugal. ISSN 2172-8305.
  2. Anuario General de España. Comercio, industria, agricultura, ganadería, minería, propiedad, profesiones y elemento oficial. ISSN 2172-8321.
  3. Arquivo Histórico Diocesano de Ourense. Partida de batismo de Eulógio Gallego Martinez, paróquia de Santa Marinha, fólio 207/r. Cota: 17.07.07.
  4. Castro, Cástor, Caseiro, Delfín e Vázquez, Alba. (2005). Catálogo de Músicos da Limia: Música tradicional. Ourense: Difusora de Letras.
  5. Lopez, Oscar e Lopez, Daniel. (2011). Historia da Unión Musical de Parada de Riveira. Ginzo: Concelho de Ginzo.
  6. Martinez Cerredelo, Edelmiro. (2005). A prensa en Xinzo de Limia: século XX (1911-1925). Ginzo: O Viso.
  7. Martinez Cerredelo, Edelmiro. (2008). Historia e memoria. A Limia: 1931-1953. Ginzo: O Viso.
  8. Martinez Cerredelo, Edelmiro. (2012). Historia de Xinzo de Limia. Ginzo: Grupo «Pedro González de Ulloa» de Estudos Históricos da Limia.
  9. Martinez Cerredelo, Edelmiro. (2016). Xinzo de Limia na memoria. Ginzo: Grupo «Pedro González de Ulloa» de Estudos Históricos da Limia.
  10. Rei-Samartim, Isabel. (2017). «O guitarrista limião EULOGIO GALLEGO MARTÍNEZ» (Ginzo de Límia, 02-09-1880 – ?). Blog Historia de Xinzo, 21 de julho.
  11. Rei-Samartim, Isabel. (2020). A guitarra na Galiza. Tese de doutoramento. Universidade de Santiago de Compostela.


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