Vox nostra resonat
A guitarra na GalizaDe Paz Armesto a Concepcion Planton. Mais mulheres na música galega
Isabel Rei Samartim

Nesta já longa série de artigos sobre a guitarra galega que encetamos no mês de abril de 2021 temos falado sobre diversas mulheres fundamentais na história da Galiza, e mesmo na história peninsular, que foram guitarristas, ou intérpretes de cordofones dedilhados, tais como a primeira evidência do século II: o túmulo da menina Lutátia Lupata, a nobre galega do século XIII Maria Peres ‘Balteira’, a escultura da mulher guitarrista da Póvoa do Caraminhal do século XVI, ou a estátua de Rosa Malvido, Marquesa de Valle-Inclan do século XVIII.
No século XIX aparecem ainda mais mulheres envolvidas na música em geral e na guitarra em particular. Mulheres de peso da nossa literatura, como
Por toda a Galiza
A orquestra betanceira integralmente feminina, regida por atou no Liceo Recreativo de Betanços com motivo dos bailes de Reis nos primeiros dias do ano de 1902, juntando umas 350 pessoas no público (El Pueblo, 1902), o que era um acontecimento para aquela época.
Depois, dentro da integração mais ou menos moderada das mulheres nas orquestras de plectro, temos vários exemplos históricos: Em Vigo, era
E em 1890 eram várias as mulheres da Pontedeume que integravam a rusga de entrudo dirigida por
Por último, e ainda que nos faltam as fontes primárias, temos constância de que havia no Vale Minhor mais orquestras de plectro no tempo em que
Em Lugo
O ambiente guitarrístico em Lugo está documentado desde a primeira metade do século XIX, em que sabemos da coleção de partituras para guitarra da Catedral copiadas pelo violinista e guitarrista
Já na segunda metade do século cria-se a orquestra de plectro do Casino de Lugo, também conhecida por Estudantina Lucense, avalada por João Montes, cuja associação chamava-se La Rondalla (Varela de Vega, 1990, p. 524). Por exemplo, na velada benéfica organizada pela Cruz Vermelha de Lugo, em 20 de novembro de 1898 (El Eco de Galicia, 1898), que foi um grande evento ao qual estavam convidadas várias das instituições da cidade, foi protagonizado por uma afortunada maioria de mulheres músicas como
A guitarrista lucense Paz Armesto de Quiroga (Guntim, 1882 – Barcelona, 1964)
Era filha do notário João Armesto Erro, natural de São Mamede de Pinheiras, e de Filomena Quiroga Vazquez, de São Salvador de Abeancos (Melide). Foram os avós paternos José Maria Armesto, de São Martim da Torre (Páramo) e Trinidad Erro Saenz de Tejada, de Toro (Samora). Avós maternos, José Quiroga Salgado, de Porto Marim, e Josefa Vazquez Seijas, de Vilarbasim (Porto Marim).
As breves notícias sobre Paz Armesto de Quiroga temo-las graças a Domingo Prat (1934, p. 34) que dela deixou dito:
Distinguida dama, ejecutante amateur de guitarra, contemporánea, española, perteneciente a una destacada familia de la alta sociedad gallega. Contrajo enlace con el distinguido Dr. Quiroga, del cuerpo médico de Barcelona, en donde está radicada. Las muchas horas diarias que ocupan las exigencias de la vida, no impiden a Doña Paz, respetable y merecido nombre por el que se la conoce, de acariciar cotidianamente la guitarra, proporcionándose su alimento espiritual. En las nobles virtudes y acciones que la adornan, recordaremos que junto con su esposo, fueron entusiastas alentadores, en el consejo, en la acción y en toda clase de medios, para la ascensión rápida y gloriosa del divino en la guitarra, Andrés Segovia. Ellos, en el año 1915, contribuyeron al triunfo del guitarrista que admiraría el mundo entero.
Antonio Quiroga Camba (1885 - 6 de agosto de 1936) era médico cirurgião. Segundo informação do pesquisador e médico Carles Hervas Puyal, Antonio Quiroga chega a Barcelona em 1903, em 1910 licencia-se e em 1917 doutora-se. Pelas notícias sabemos que em 1911 oferece os seus serviços à Universidade de Barcelona, onde depois seria professor (La Vanguardia, 1911). Ele e Paz Armesto viviam na rua Torrente de las Flores, 155, no bairro de Gràcia barcelonês. Quiroga foi nomeado membro da Junta Diretiva do Centro Galego em junho de 1924 (La Vanguardia, 1924). Tudo parece indicar que, como diz Prat, o matrimónio se estabeleceu durante os primeiros anos do século XX na capital catalã e ali desenvolveram uma atividade laboral e artística envolvidos no núcleo galego mais importante da cidade.
Concerto de Andrés Segovia
Com efeito, Andrés Segovia ofereceu um concerto o dia 4 de janeiro de 1916 nos salões do Centro Galego de Barcelona, dentro da sua gira por Catalunha e Valência (La Vanguardia, 1916a). Meses mais tarde o Centro Galego acolheria o concerto do guitarrista
Mais familiares de Paz Armesto
À procura de mais informações sobre Paz Armesto demos com a sua irmã Mercedes, freira clarissa em Vila Franca do Bierzo, onde se fazia chamar Sor Mercedes del Corazon de Jesús (1866-1938). Graças à arquivista da congregação soubemos que Sor Mercedes, que ingressou no Mosteiro da Anunciada com 20 anos de idade, foi a primeira cronista da sua comunidade. Antes disso ajudava ao pai como secretária da Notaria, daí que tenha passado a vida entre papeis e livros. Deixou escrito o primeiro tomo da Crónica de la Anunciada a contar umas 400 páginas, que se conserva na biblioteca do mosteiro (Arias Pardo, 2014).
Sobre o marido de Paz Armesto, Antonio Quiroga Camba, sabemos que morreu o 25 de julho de 1936, durante o fatídico verão da Guerra da Espanha que acabou com dezenas de médicos na Catalunha (Calbet, Hervás e Guerrero, 2008). Carles Hervás nos informa através da arquivista do COMB, Sara Fajula, da declaração feita por Paz Armesto em 1936:
Su marido, de 49 años y no afiliado a ningún partido político, fue detenido el 28 de julio de 1936 por patrulleros desconocidos en algún lugar que ignora. No supo nada más de él hasta que identificó su cadáver dos días más tarde en el Hospital Clínico. El cadáver presentaba heridas de arma de fuego en el pecho y la mano. No sospecha de nadie.
Segundo os dados do óbito no Registo Civil de Barcelona, Tomo 00291-9, página 317, Secção 3ª, a guitarrista Paz Armesto faleceu em Barcelona o primeiro de março de 1964.
Concepcion Planton Meilan (Lugo, 1937)
Dentro deste contexto lucense sobre a guitarra, aparece anos mais tarde outra guitarrista que deixa para o nosso repertório um apreciável conjunto de obras. Intérprete, compositora, professora e mãe, o seu carácter forte a ajudou a realizar uma notável carreira artística durante o tempo duma ditadura militar em que a vida artística era controlada nas atividades da Sección Femenina.
A guitarrista e compositora
Em 1956 tocou a duo com
Concepcion Planton Meilan era já uma senhora de muita idade quando falamos com ela, pouco tempo depois ficou viúva. Nesta última etapa da sua atividade artística dedica-se à composição de música para guitarra, deixando perto de vinte obras publicadas. Uma delas, intitulada Roses, foi inspirada e dedicada à vila gironina do mesmo nome, onde passou os últimos anos antes de mudar-se a Londres para morar com a família do seu filho. O estilo de Planton é atrevido e destemido, nesta obra lança-se ao efeito sonoro sem contemplações à procura de um ideal de pureza sonora que ela entende sempre como divertimento.
Temos 20 obras compostas e publicadas por Planton entre 1994 e 2013: 1. Belleza – Capricho, 2. Embrujo nocturno, 3. Arte nuevo, 4. Hágase la música, 5. Luciente – Minuetto, 6. Universal divertimento, 7. Majestuosa – Aire de danza, 8. Lucense, 9. Ráfaga y Estudio Cantabile, 10. Admirable, 11. Sentida armoniosa, 12. Minuetto rítmico, 13. Talento – Preludio, 14. Roses, 15. Pureza – Divertimento, 16. Sonata, 17. Tiempo Siglo XXI, 18. Sinfonia, 19. Soñando.
Estas são algumas das nossas precursoras. Músicas que anteciparam as compositoras que hoje são referência no panorama clássico galego, como
Referências citadas
- Arias Pardo, Maria Carmen. (2014). Escritoras insignes en el Monasterio de la Anunciada. Villafranca del Bierzo (León). Peláez del Rosal, Manuel. (Ed). Congreso internacional Las Clarisas: Ocho siglos de vida religiosa y cultural (1211-2011). Córdoba: Asociación Hispánica de Estudios Franciscanos.
- Calbet, Josep, Hervás, Carles e Guerrero, Lluís. (2008). Metges de Catalunya morts durant la guerra civil y la repressió franquista: Resultats preliminaris. Em Gimbernat(50), pp. 109-118.
- El Eco de Galicia. Diario de la tarde. (1898). Lugo: 17 de outubro, p. 1.
- El Pueblo. (1902). Crónica local. Los bailes de Reyes. En el Liceo Recreativo. Betanços: 12 de janeiro, p. 3.
- Gaceta de Galicia. (1892). Santiago de Compostela: 24 de setembro, p. 3.
- Gaceta de Galicia. (1899). Santiago de Compostela: 16 de fevereiro, p. 3.
- Gaceta de Galicia. (1900). Sección regional. Santiago de Compostela: 6 de abril, p. 2.
- La Vanguardia. (1911). Barcelona: 12 de maio, p. 5.
- La Vanguardia. (1916a). Música y teatros. Barcelona: 4 de janeiro, p. 18.
- La Vanguardia. (1916b). Música y teatros. Barcelona: 23 de abril, p. 17.
- La Vanguardia. (1924). Barcelona: 6 de junho, p. 7.
- Paz Fernández, Xosé. (2000). Cancioneiro Popular Eumés (Festas anuais), (2ª ed). Pontedeume: Concelho de Pontedeume.
- Prat, Domingo. (1934). Diccionario biográfico, bibliográfico, histórico, crítico de guitarras, guitarristas, guitarreros... Buenos Aires: Romero y Fernández. Reedição: Prat, Domingo. (1986). A biographical, bibliographical, historical, critical Dictionary of guitars, guitarists, guitar-makers... With an introduction by Matanya Ophee. Columbus: Editions Orphée.
- Rei-Samartim, Isabel. (2020). A guitarra na Galiza. Tese de doutoramento. Universidade de Santiago de Compostela.
- Rei-Samartim, Isabel. (2021). Guitarra Galega Vol. 1 (CD). Compostela: Air Classical. Libreto:
- Varela de Vega, Juan Bautista. (1990). Juan Montes. Un músico gallego. Corunha: Deputação Provincial.
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