Vox nostra resonat

A guitarra na Galiza

Segundo Álbum de Guitarra Galega

Isabel Rei Samartim
jueves, 15 de junio de 2023
Álbum de guitarra galega © 2023 by Dos Acordes Álbum de guitarra galega © 2023 by Dos Acordes
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Saiu no passado mês de maio o segundo Álbum de Guitarra Galega publicado pela editora Dos Acordes. É um caderno de partituras que continua o primeiro, publicado em novembro de 2022, e eleva ao nível médio a dificuldade técnica das obras escolhidas.

«Festa em Vilar Maior» de Miguel Varela Suarez, transcrita por Xurxo Varela. © 2023 by Xurxo Varela.«Festa em Vilar Maior» de Miguel Varela Suarez, transcrita por Xurxo Varela. © 2023 by Xurxo Varela.

Estas obras são também parte dos fundos guitarrísticos galegos históricos, e também há alguma peça resgatada da memória dum músico atual, como a Festa em Vilar Maior de Miguel Varela Suarez (Ferrol, 1945-1998). Miguel Varela foi um guitarrista ferrolano que fundou e colaborou em diversos grupos de pop-rock galego como The Silver Dragons em 1961, The Wryders, Los Sprinters ou Los Tamara. Participou no filme espanhol La red de mi canción (1971) com Concha Velasco e Andrés do Barro. Depois realizou a maior parte da sua carreira acompanhando a grande cantora galega e sua esposa, Maria Manuela.

Pieza enlazada

O seu filho, Xurxo Varela Diaz, músico gambista e atualmente professor na Escola Superior de Música do Porto, reconstruiu a obra do pai que tinha na memória musical e muscular. 

Ao modo de John e Robert Dowland, o filho transcreveu de memória um esquema da partitura no meu pequeno livro de notas, e tempo depois interpretou a peça seguindo as lembranças dos tempos em que o pai a tocava. A atual edição da obra está inspirada nessa interpretação.

«Festa galega» (1917) de Fernando Álvarez de Soutomaior. © 2023 by Isabel Rei Samartim.«Festa galega» (1917) de Fernando Álvarez de Soutomaior. © 2023 by Isabel Rei Samartim.

Em Festa em Vilar Maior vemos uma paisagem galega em forma de música para guitarra, com elementos evocativos duma romaria e o sabor das festas ao ar livre, com músicos cegos a tocarem guitarra, violino ou sanfona, e grupos de bandolins, harmónicas e acordeões a competirem com os grupos de gaitas.

Uma outra joia do caderno é a obra, até agora inédita, de Napoleon Coste, ‘Pérola’, conservada no Arquivo Canuto Berea. A obra é um galope cuja partitura editada, mas sem indicação de editora, diz que é um arranjo, o que deixa ver que a obra deve ser original dalgum outro tipo de género, possivelmente música cénica, uma ópera ou balé que ainda não conseguimos identificar, a conter este galope que Coste arranjou para guitarra.

«Variações» anónimas da coleção da família Valladares. © 2023 by Isabel Rei Samartim.«Variações» anónimas da coleção da família Valladares. © 2023 by Isabel Rei Samartim.

Alguns dos fundos vistos no primeiro Álbum de Guitarra Galega aparecem também no segundo, como os dous Souvenirs de Nápoles do fundo de Torres Adalid, a segunda obra do misterioso autor F. (Frai?) Miguel M. B. do Caderno do Francês, ou os dous temas com variações, que são as obras de maior entidade deste volume, pertencentes ao fundo da família Valladares.

«Valsa Pilar» de Júlio Mirelis Garcia. © 2023 by Isabel Rei Samartim.«Valsa Pilar» de Júlio Mirelis Garcia. © 2023 by Isabel Rei Samartim.

Também se incluem as duas obras do guitarrista compostelano Júlio Mirelis Garcia publicadas no seu Método Completo de Guitarra em 1892, na imprensa Paredes em Compostela. São uma polca, intitulada Os Linhares, que pode evocar uma aldeia desse nome nas redondezas da cidade da Ponte Vedra, de onde era originária a família de Mirelis. E uma valsa, intitulada ‘Pilar’, que talvez indicasse alguém estimada por Mirelis, na linha de Tárrega, que usava frequentemente os nomes do seu alunado para intitular certas obras.

«Ausência» de Augusta E. Herbey. © 2023 by Isabel Rei Samartim.«Ausência» de Augusta E. Herbey. © 2023 by Isabel Rei Samartim.

Uma outra incógnita é ainda a autora e guitarrista presente neste segundo Álbum. Augusta E. Herbey parece ser uma guitarrista inglesa, da qual não achei ainda mais informações. A sua obra, Ausência, de apropriado título, foi publicada pela conhecida Casa de Giovanni Ricordi e Cia., de Milão, com número de prancha 3783. A música parece descrever uma cena, um momento no decorrer da vida musical dos salões europeus no século XIX, com uma certa melancolia por parte da autora que poderia estar a lembrar tempos passados. A obra está dividida em duas secções onde cabem três partes ou andamentos: Convite ao baile, Valsa e O carinho.

Por último, do Fundo Pintos Fonseca, no Museu da Ponte Vedra, temos uma das quatro moinheiras para guitarra, sendo que três delas entraram no anterior Álbum de nível básico. Esta é a moinheira editada em Madrid por Campo Castro na segunda metade do século XIX e que contém a gaita recolhida no livro de Santa Cruz do século XVII que depois renova Santiago de Múrcia no Códice Saldívar do XVIII. 

Mais tarde, essa mesma melodia com alguma variação abre a obra de Chané Alalá e alvorada, estreada na Corunha em 1880, também aparece no arranjo da mesma obra feito por Santos Rodriguez Gomez para orquestra de plectro, em 1926, e diversas interpretações ao longo do século XX. Esta melodia galega tem, portanto, vários séculos de existência nas publicações guitarrísticas peninsulares, desde o século XVII até agora no atual século XXI, cinco séculos.

E a outra do mesmo fundo é uma Valsa composta pelo próprio Javier Pintos Fonseca (Ponte Vedra, 1869-1935), autor duma das maiores coleções para guitarra, piano e outros instrumentos de todas as coleções galegas. Pintos Fonseca tem vários exemplos como criador de música para guitarra. Esta peça é uma amostra da sua capacidade técnica e da paixão que professava pelo instrumento.

Até aqui esta breve apresentação do segundo Álbum de Guitarra Galega. Está prevista a publicação de um terceiro Álbum, de nível avançado, onde se oferecerão várias obras selecionadas que usam da maior complexidade técnica e musical para a interpretação guitarrística. Como são obras de maior tamanho, também esse último volume terá de aumentar o número de páginas e, possivelmente, o número de obras seja menor que os anteriores.

O incremento na dificuldade das obras, como já temos explicado nalguma ocasião, responde à necessidade pedagógica de ir apresentando uma antologia de música para guitarra proveniente dos fundos galegos, e também de mostrar a complexidade e interesse destes fundos para o repertório internacional, de modo que há peças muito singelas que podem ser implementadas desde o segundo ano dos estudos nos conservatórios, até outras de alto nível de execução mais apropriadas para os últimos anos da carreira superior.

Referências
  1. Rei-Samartim, Isabel (2020): A guitarra na Galiza. Tese de doutoramento. USC.
  2. Rei-Samartim, Isabel (2023): Álbum de Guitarra Galega, 2, Nível médio. Baiona: Editorial Dos Acordes.
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