Vox nostra resonat

A guitarra na Galiza

Mais guitarristas em Ourense (2). A ditadura franquista

Isabel Rei Samartim
jueves, 23 de noviembre de 2023
Orquestra de plectro do Barco de Valdeorras, 1930 © Dominio Público Orquestra de plectro do Barco de Valdeorras, 1930 © Dominio Público
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Manuel de Falla era conhecedor da música galega. O compositor para guitarra da Homenagem a Debussy tocou em Ourense no ano 1918 como pianista acompanhante da cantora Aga Lahowska, num concerto organizado pela Sociedade Filarmónica. O programa incluía uma série de canções alemãs, galegas e asturianas para canto e piano (Harper, 1998, p. 27).

No Carvalhinho, em agosto de 1921 (El Correo de Galicia) realizavam-se durante dous dias serenatas de verão onde participavam um “nutrido” grupo de plectro e um coro. Também em 1928 se convocava um Certame de Coros Galegos em que a obra obrigada era o Alalá e Alvorada de Chané. Esta obra tinha sido arranjada em 1926 para orquestra de plectro pelo guitarrista, pianista e compositor ativo em Vigo, Santos Rodriguez Gomez (Rei-Samartim, 2020, p. 1630). 

Desenho no artigo sobre Paco Roque em 'Galicia Humorística', 1888, 30 de junho, pp. 366-368. © 2023 by Isabel Rei Samartim.Desenho no artigo sobre Paco Roque em 'Galicia Humorística', 1888, 30 de junho, pp. 366-368. © 2023 by Isabel Rei Samartim.

Um exemplar deste arranjo foi achado como propriedade do guitarrista Evangelino Taboada Vazquez, partitura que foi roubada do seu dono e conservada no Museu da Ponte Vedra. Recentemente foi interpretada na apresentação do livro Música represaliada (maio de 2023), com a história d@s músic@s que sofreram morte e perseguição durante a ditadura franquista.

Em 1933 também se regista em Lóbios, no contexto do final do ano letivo das Missões Pedagógicas, a atuação dum grupo de plectro de Entrimo, formado por crianças e dirigido por Ricardo Dominguez (Galicia, 1933). Já sabemos da escultura com guitarra na igreja de Entrimo, do século XVIII. De facto, essa vila deu, passado o tempo, vários guitarristas que marcaram dum ou doutro modo a história da guitarra em Ourense: o virtuoso Santiago Vazquez, de morte prematura, José Luís Gonzalez Pena, regente de grupos de plectro nas instituições franquistas e primeiro professor interino do Conservatório, e também Evencio Baños, descrito pelo jornalista Manuel Fernandez como “notável bandurrista” (La Región, 1968d).

A guitarra em Ourense durante a ditadura

Já durante a época da Guerra da Espanha e depois a ditadura franquista, a apropriação espanhola da guitarra que tinha começado no final do século anterior, intensificou-se de maneira bem evidente. O jornalista franquista Victor Ruiz Albéniz (El Tebib Arrumi), que fora guitarrista integrante da Tuna Compostelana quando estudava Medicina na capital galega e avô do político espanholista Alberto Ruiz Gallardon, estava Ourense em 1937 (El Pueblo Gallego) com o propósito de visitar os coletivos Mujeres al Servicio de España e da Sección Femenina.

Pieza enlazada

Ruiz também visitou os seus amigos Faustino Santalices, Emilio Nuñez, José Eire, e o médico e antigo colega, Celso Fernandez, de Cela Nova. Durante essa época, as orquestras de plectro populares foram dirigidas pelas diversas instituições da ditadura, que controlavam assim as atividades de lazer, o ensino musical, o comportamento e a ideologia das pessoas e, naturalmente, a programação dos eventos e o tipo de música que se incluía neles. Desse modo, a música não galega foi rapidamente associada à guitarra e aos cordofones dedilhados, de forma a gerar a crença de que estes instrumentos não eram galegos.

Para esse fim serviam as instituições como a Frente de Juventudes, a Juventude de Acción Católica, a Falange e a Sección Femenina, instituições com grupos de plectro ativos em Ourense nas décadas centrais do século XX. Um exemplo deste controle cultural é a descrição realizada pelo guitarrista e regente da orquestra do Frente de Juventudes, José Luís Gonzalez Pena, na entrevista do jornal La Región (1951a).

Orquestra de plectro "Blanco y Negro" de Ourense, 1934. © Dominio Público.Orquestra de plectro "Blanco y Negro" de Ourense, 1934. © Dominio Público.

Nessa descrição vemos que Pena era regente da “rondalla” da Frente de Juventudes desde o seu início em 1948, que constava de 23 pessoas com as variações típicas da formação, que os membros deixavam de sê-lo aos 21 anos, e que estava formada por oito bandurras, quatro alaúdes, dous bandolins, seis guitarras, dous violinos e uma flauta. O agrupamento, que ensinava os membros a ler e tocar música, tinha sido campeão provincial por três vezes no concurso da Frente de Juventudes franquista.

Pena afirmava que em três anos passaram pela orquestra umas 200 pessoas e expressava a vontade de formação musical para futuras orquestras de plectro ourensanas. O seu repertório, dizia, incluía música clássica e espanhola, além de Beethoven, Haydn e Rossini. Na altura, tinham realizado cinco recitais em Ourense e apresentavam-se aos certames que se organizavam. Por último, Pena dizia que na época havia seis orquestras de plectro na província de Ourense.

Um dos locais habituais para os concertos era o Coliseu Xesteira, bem como o Teatro Principal ou o Paço Episcopal de Ourense. Também há notícias sobre a atividade destas orquestras franquistas em Ribadávia, no Cinema “España” (La Región, 1951b), e de recitais organizados pelo pároco em Couso de Salas (El Pueblo Gallego, 1963).

Romaria em Ginzo de Límia, 1950. Fonte: Miro Cerredelo. © 2023 by Isabel Rei Samartim.Romaria em Ginzo de Límia, 1950. Fonte: Miro Cerredelo. © 2023 by Isabel Rei Samartim.

No Carvalhinho, em primeiro de abril de 1955 decorria o “Dia de la Victoria” no Teatro-Cine Alameda (La Región, 1955), dia em que o ditador e seus seguidores no governo comemoravam a vitória da ditadura. Atuava o grupo de plectro da Frente de Juventudes onde, entre as obras clássicas habituais, se incluía um arranjo de Gonzalez Pena para orquestra de plectro da obra Algueirada gallega de Faustino del Rio. O recital decorria no chamado “Dia de la canción” em que também se realizava um número de “humoradas gallegas”, que ridiculizavam o ser galego de diversas maneiras consideradas “humorísticas”.

Durante a segunda parte do século XX realiza-se a implementação paulatina do ensino musical regulamentado pela lei franquista. O Regime legislava para os conservatórios em 1942. Mas, em Ourense o conservatório não seria estabelecido até 1958 (Iglesias, López e Miguéns, 2008). Já desde 1950 o intelectual Isidoro Guede instava ao presidente da Deputação de Ourense a fundar uma Escola de Música com aulas de vários instrumentos, entre eles, a guitarra (La Región, 1950). Como vemos, nem sequer a difícil ditadura franquista teria acabado com o empenho galego pela guitarra, por mais que a propaganda insistisse em fazer do instrumento um símbolo alheio à Galiza.

Contudo, na década de 1960 a Sección Femenina continuava a oferecer aulas de guitarra (La Región, 1964), ao mesmo tempo que se criava a cátedra de guitarra em Ourense (El Pueblo Gallego, 1964) ocupada de forma interina pelo já citado José Luís Gonzalez Pena e se anunciavam cursos de guitarra CCC por correspondência (Hoja de los Lunes, 1964).

Em 1958 acontecem dous eventos importantes: a primeira é a fundação dos cursos de Música em Compostela e a segunda, ligada a estes, é a criação do Conservatório de Ourense organizado como fundação onde participavam diversas entidades, coordenadas através do Padroado. Em ambos os eventos estava a figura do bem posicionado António Iglesias Álvarez (1918-2011).

O Concurso de Interpretação de Ourense

Nesse contexto é que se cria em 1960 o Concurso Internacional de Interpretação do Conservatório de Ourense, cuja primeira edição seria dedicada ao piano e a segunda, à guitarra. No total o concurso teria treze edições entre 1960 e 1972, dedicando seis ao piano (1960, 63, 66, 67, 69 e 71), duas à guitarra (1961 e 68), duas ao violino (1962 e 72), uma ao canto (1964), uma ao violoncelo (1965) e uma à música de Beethoven (1970). Vejam-se nas referências citadas ao pé do artigo os exemplares de La Región entre 1960 e 1972.

Em 20 de de março de 1961, no contexto do concurso dedicado à guitarra produz-se a conferência-concerto de Regino Sainz de la Maza, que teve lugar na Caixa de Aforros da cidade, local que também albergava o concurso. Intitulado Los primitivos de la música instrumental, o evento girou em torno da música para guitarra dos séculos XVI e XVII, sendo o autor da crónica, o secretário do Padroado do Conservatório e conhecido jornalista, Isidoro Guede (La Región, 1961b).

A organização e disposição dos participantes provinha dos cursos de Música em Compostela, onde se realizava a primeira fase do concurso, acontecendo em Ourense a segunda fase, ou final, com a concessão dos prémios (La Región, 1959). Por isso, a comissão organizadora e os membros do júri eram pertencentes ao professorado de Música em Compostela. Assim, nas edições de 1961 e 1968, dedicadas à guitarra, o presidente do júri foi sempre Andrés Segóvia, tendo participado, entre outros, o guitarrista australiano John Williams e o compositor suíço Hans Haug (La Región, 1961c).

Em 1968 também fizeram parte do júri o secretário de Música em Compostela, violinista e musicólogo catalão Ramon Borrás e o compositor castelhano Federico Moreno Torroba (La Región, 1968c). O próprio António Iglesias participou de todos os júris em todas as edições do concurso. Ao longo dos anos foram criados prémios com diferente dotação económica, provenientes de diversos fundos particulares e bancários. A segunda vez que o concurso foi dedicado à guitarra, em 1968, foi criado o Prémio Santiago Vazquez, uma bolsa de estudos para continuação do estudo da guitarra na honra do guitarrista ourensano (La Región, 1968b).

Em 1971 entra como professor de guitarra no Conservatório o guitarrista valenciano Tomás Camacho, que mais tarde seria diretor do centro (Franqueira, 2015). Supomos que até então o professor interino teria sido todo o tempo o guitarrista de Entrimo, Gonzalez Pena. A última vez que o achamos na hemeroteca é em 1974, quando o jornal El Pueblo Gallego anunciava a recepção dum vilancico para a paróquia de Nigrão, composto pelo ourensano José Luís Gonzalez Pena, que seria interpretado pela organista Clara Perez Vilas com um coro de meninas (El Pueblo Gallego, 1974).

Estas informações foram incluídas no artigo intitulado “A guitarra em Ourense: um instrumento galego”, recentemente publicado no número 40 da revista Ágora do Orcellón. Esta revista está organizada pelo filósofo galego Avelino Muleiro e é editada pelo Instituto de Estudios Carballiñeses, instituição do Carvalhinho dedicada ao estudo da cultura galega.

Referências citadas

  1. Ágora do Orcellón. Revista do Instituto de Estudios Carballiñeses.
  2. Harper, Nancy Lee. (1998). Manuel de Falla. A Bio-Bibliography. London: Greenwood Press.
  3. El Correo de Galicia. (1921). Carballino. Buenos Aires: 28 de agosto, p. 6.
  4. El Pueblo Gallego. (1937). Agasajo de la asociacion de la prensa al “Tebib-Arrumi”. Vigo: 28 de novembro, p. 15.
  5. El Pueblo Gallego. (1963). Couso de Salas. Vigo: 4 de junho, p. 18.
  6. El Pueblo Gallego. (1964). Se crea una catedra de guitarra en el Conservatorio de Música. Vigo: 13 de setembro, p. 14.
  7. El Pueblo Gallego. (1974). Villancico en exclusiva para la parroquia de Nigran. Vigo: 19 de dezembro, p. 12.
  8. Franqueira Barca, Sergio. (2015). La agrupación guitarrística gallega y la guitarra en Galicia entre 1977-1984). Tese de doutoramento. USC.
  9. Galicia. (1933). Pequeñas Misiones Pedagógicas. Ourense: 4 de julho, p. 4.
  10. Hoja de los lunes. (1964). [Anúncio] CCC. Vigo: 21 de setembro, p. 4.
  11. Iglesias, Xosé Manuel, López, Pilar e Miguéns, Juan Enrique. (2008). Conservatorio Profesional de Música de Ourense: 1957-2007, cincuenta anos de música. Ourense: Conservatorio Profesional de Música.
  12. La Región. (1950). Escuela de música en Orense. Ourense: 31 de março, p. 4.
  13. La Región. (1951a). Sobre la marcha. Ourense: 16 de março, p. 4.
  14. La Región. (1951b). Rivadavia. Ourense: 27 de dezembro, p. 3.
  15. La Región. (1955). El “Dia de la Victoria” en Orense. Ourense: 1 de abril, p. 6.
  16. La Región. (1959). El premio de interpretación del Conservatorio de Orense será de los mejores del mundo. Ourense: 30 de dezembro, p. 3.
  17. La Región. (1960). Dos buenas noticias. Ourense: 12 de fevereiro, p. 3.
  18. La Región. (1961a). El Concurso Internacional de Guitarra del Conservatorio de Orense. Ourense: 19 de janeiro, p. 8.
  19. La Región. (1961b). Interesante conferencia y magnífico concierto de Regino Sainz de la Maza en el Aula de Cultura. Ourense: 21 de março, p. 3.
  20. La Región. (1961c). El sábado darán comienzo en nuestra ciudad las pruebas finales del Concurso Internacional de Guitarra. Ourense: 13 de setembro, p. 3.
  21. La Región. (1962). El Concurso Internacional de Violín organizado por el Conservatorio de Orense. Ourense: 12 de setembro, p. 3.
  22. La Región. (1963). Reunion del Patronato del Conservatorio de Música. Ourense: 19 de abril, p. 3.
  23. La Región. (1964). Juventudes de la Sección Femenina. Clases de guitarra y rítmica. Ourense: 22 de janeiro, p. 3.
  24. La Región. (1964). Sera dedicado al canto. Ourense: 26 de março, p. 3.
  25. La Región. (1965). Al Concurso Internacional de Violoncello del Conservatorio de Orense. Ourense: 9 de setembro, p. 3.
  26. La Región. (1966). El Concurso Internacional de Piano de Orense. Ourense: 4 de setembro, p. 3.
  27. La Región. (1967). Concurso Internacional de Piano del Conservatorio de Orense. Ourense: 31 de março, p. 6.
  28. La Región. (1968a). El Concurso Internacional del Conservatorio de Orense está dedicado este año a la guitarra. Ourense: 4 de abril, p. 4.
  29. La Región. (1968b). Noticia sobre el Premio “Santiago Vázquez”. Ourense: 29 de agosto, p. 4.
  30. La Región. (1968c). El Concurso Internacional de Guitarra. Ourense: 10 de setembro, p. 4.
  31. La Región. (1968d). Entrimo. Ourense: 19 de setembro, p. 21.
  32. La Región. (1969). Se convoca el X Concurso Internacional de Piano del C. M. de Orense. Ourense: 20 de abril, p. 13.
  33. La Región. (1970). El importe total de los premios asciende a 320.000 pesetas. Ourense: 2 de maio, p. 6.
  34. La Región. (1971). El Concurso Internacional de Piano del Conservatorio de Música de Orense. Ourense: 28 de maio, p. 7.
  35. La Región. (1972). En el Concurso Internacional de Violín del Conservatorio están representados diez paises. Ourense: 5 de setembro, p. 8.
  36. Músicarepresaliada. (2023). Ponte Vedra: Deputação.
  37. Rei-Samartim, Isabel. (2020). A guitarra na Galiza. Tese de doutoramento. Universidade de Santiago de Compostela. 
  38. Rei-Samartim, Isabel. (2023). A guitarra em Ourense: um instrumento galego. Ágora do Orcellón, 40 (119-147). Carvalhinho: IEC.
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