Vox nostra resonat

A guitarra na Galiza

As orquestras de plectro (6): Arousa e Redondela

Isabel Rei Samartim
jueves, 27 de junio de 2024
Capa do folheto Brisas Rianjesas. 1906 © 2024 by Fundo Local de Música de Rianjo Capa do folheto Brisas Rianjesas. 1906 © 2024 by Fundo Local de Música de Rianjo
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Continua a relação de informações entre os séculos XIX e XX sobre as orquestras de plectro na Galiza, cuja eclosão no último terço do século XIX está bem documentada e a continuação durante o século XX está ainda em período de estudo. Neste artigo apresentam-se as notícias relativas às orquestras de plectro nas vilas de Rianjo, Vila Garcia e Redondela, que ainda sendo cidades pequenas, foram autênticos centros de atividade guitarrística naquela época.

De novo o FLMR

O arquivo do Fundo Local de Música de Rianjo (FLMR) conserva obras para orquestra de plectro do último terço do século XIX, possivelmente pertencentes a músicos amadores que, em muitos casos, teriam dado os primeiros acordes durante o estudo da carreira na Universidade em Compostela. A família do poeta Manoel António (1900-1930) possuía um grande arquivo de partituras de diversas épocas. Desde 1891, o perito mercantil, poeta e jornalista, José Arcos Moldes (1863-1945), estabeleceu um ensino musical básico para os coros e agrupamentos musicais que ele promovia, prática que teve continuidade no primeiro terço do século XX com outros guitarristas como José Nine Piñeiro.

Do trabalho de Arcos Moldes conservam-se algumas letras dos coros da sua autoria, entre as que há jotas, passodobles, valsas, passaruas, maçurcas, galegadas e música para grupo de cordofones da autoria do grande compositor galego, Filipe Paz Carbajal (1850-1918). Algumas destas letras levam a data de 1894, outras são posteriores. Para uma biografia completa sobre Arcos Moldes vejam-se Santos e Comoxo (1994) e Comoxo e Santos (2016).  

Pieza enlazada

Da colaboração de Arcos Moldes e Paz Carbajal saem as Brisas Rianjesas, duas obras: uma jota e uma valsa, escritas para coro de vozes, uma com acompanhamento de guitarras, e outra, de guitarras e bandurras. Do mesmo compositor é a obra Consuelo de las Flores, com letra de Arcos Moldes, e escrita igualmente para coro com guitarras. As Brisas Rianjesas tiveram no Entrudo de 1906 uma interpretação por parte do coro do mesmo nome, para a que se publicou um folheto com as letras para cantar, na imprensa de M. Suarez, em Vila Garcia.

Paz Carbajal e as orquestras de plectro

Filipe Paz Carbajal, grande compositor de música galega para coro, banda, piano e órgão (Varela, 2001), cultivou a música para grupos de cordofones dedilhados. Por amabilidade do pianista Alejo Amoedo pudemos consultar algumas das obras de Paz Carbajal para grupo de cordofones, que foram transcritas a notação digital pelo neto do compositor, Sebastian Paz Suarez. São mais três obras intituladas: 1) ¡Oh, mansión divina! vals de concierto para rondalla, 2) Juventud dichosa, mazurca de concierto para rondalla, estas duas escritas a dous pentagramas em claves de Sol e Fá, e 3) Recordo da miña terra, rapsodia de cantos galegos, para bandolins, alaúdes e dous pentagramas em clave de Fá para as guitarras. Junto às do Fundo Local de Música de Rianjo fazem seis obras recuperadas para orquestras de plectro dum dos músicos galegos mais inspirados da segunda metade do século XIX.  

Concerto do alunado de canto e da orquestra de guitarras do Conservatório Profissional de Santiago de Compostela, em 11 de março de 2024, na Igreja da Universidade (Compostela). © 2024 by Isabel Rei Samartim.Concerto do alunado de canto e da orquestra de guitarras do Conservatório Profissional de Santiago de Compostela, em 11 de março de 2024, na Igreja da Universidade (Compostela). © 2024 by Isabel Rei Samartim.

As Brisas Rianjesas foram interpretadas no passado mês de março pelo alunado da orquestra de guitarras do Conservatório Profissional de Santiago de Compostela, no concerto realizado na Igreja da Universidade, dentro dos eventos organizados pela EDLG do centro, e contou com a presença de membros do grupo municipal rianjeiro e compostelano, e diversas personalidades do mundo da cultura.

Também, dentro do conjunto de obras para orquestras de plectro, no Fundo Local de Rianjo aparece música com outras formações instrumentais, como a do passodoble intitulado Jugando al toro, do primeiro terço do século XX, que vemos arranjado para flauta, dois violinos, duas bandurras, alaúdes e guitarras. A partitura está escrita em três pentagramas e os instrumentos agrupados como segue: no primeiro pentagrama, flauta, violino 1º e bandurras 1as, no segundo, violino 2º, bandurras 2as e alaúdes, e no terceiro, as guitarras. Poderia ser a obra de Ricardo B. Gaztambide, registada como marcha na BNE (cota: MP/6252/9), e como passodoble na relação de obras publicadas pela revista valenciana Mundial música (1919).

Em Vila Garcia

Em 1893 o jornal El Lucense recolhia uma nota breve em que se anunciava a próxima constituição em Vila Garcia duma banda de música e uma “rondalla”, a qual poderia ser uma orquestra de plectro tendo em conta a oposição semântica entre as palavras 'banda' e 'rondalla'. Seria a banda o lugar dos instrumentos de sopro, podendo ser a “rondalla” o dos instrumentos de corda, de arco, de mão e de plectro, sem por isso prescindir das flautas que tantas vezes se achavam nas orquestras de cordofones.  

Pieza enlazada

Três anos mais tarde, em 1896 o escritor Juan Fernandez Casal e o regente teatral Ricardo Urioste organizavam outra orquestra, de novo chamada de rondalla, intitulada El Odeon, formada por moços da localidade (Gaceta de Galicia, 1896). Em 1885 José R. Paratcha, editor, anunciava-se através da publicação do poema em galego O amañecer de Juan Fernandez Casal junto de outros dous poemas de autores diferentes, no jornal vilagarciano El Eco Comercial (1885). Um ano mais tarde, a pianista vilagarciana Carmen Carrete Paratcha apresentava-se ao certame de Tui em que também concorria o mestre Ulibarri, na especialidade de violino (La Opinion, 1896). Estes Paratcha, vilagarcianos e ligados à atividade musical, lembram o Lopez Paratcha, dono do bazar onde se vendia música e instrumentos, que já se anunciava na Ponte Vedra em 1897.

Com a atividade guitarrística e de orquestras de cordofones documentada no último quartel do século XIX nas vilas de Rianjo e Vila Garcia, não seria de estranhar que as orquestras de cordofones na Arousa tivessem muito mais percurso antes e depois da mudança de século do que puder parecer nestes breves apontamentos.

Em Redondela

Festa em Redondela, 12 de junho de 1913. Fonte: Leboreiro, 1997. © 2024 by Isabel Rei Samartim.Festa em Redondela, 12 de junho de 1913. Fonte: Leboreiro, 1997. © 2024 by Isabel Rei Samartim.

A maior parte das notícias musicais que temos de Redondela pertencem ao século XX mas, como nas outras vilas galegas, é possível imaginar, antes da virada do século, os grupos de cordofones a amenizarem as festas ou sociedades artísticas com algum tipo de prática musical. No blog Anecdotario redondelan referenciava-se a participação duma “rondalla” no mês de março de 1896, no banquete de boas-vindas ao general Rubin, evento em que também tocaram duas bandas de música. Pelo número de agrupamentos, parece ter sido este um grande evento não suficientemente explicado na escassa informação. O autor do blog situa no início do século XX o Centro Científico Desportivo que existia em Redondela e dá mais informações sobre os agrupamentos posteriores (Migueles, 2017).  

Durante o século XX, como grande parte das vilas costeiras galegas, Redondela desenvolveu uma interessante atividade de cordofones. Maria Leboreiro publica em 1997 uma Crónica gráfica em que podem ver-se seis fotografias de agrupamentos com guitarras. A primeira e mais antiga data do ano 1913, é um retrato de festa realizado na ladeira de um monte, em que no ângulo mais alto figuram os músicos: um duo formado por um violino ou rabeca, em qualquer caso um cordofone pequeno de arco, e o que parece uma guitarra portuguesa, cítara ou cistre.

Além desse primeiro testemunho, os grupos com guitarras/violas de que temos notícia em Redondela datam entre 1933 e 1952. Na mesma Crónica há três imagens apresentadas como da Agrupación Artística Redondelana, que no ano de 1933 se retratava como agrupamento de cordofones dedilhados com mais de trinta componentes e, em 1934, com mais de cinquenta. Em ambos os casos todos os membros vestiam o uniforme da orquestra, o que indica uma certa organização, além duma continuidade que, supomos, se teria visto acabada em 1936. A quarta imagem, já pertencente aos anos de 1941-1942 responde a um quadro de declamação, e a quinta é apresentada como um agrupamento artístico no Entrudo de 1952, com os seus membros a vestirem de turcos. Todos os grupos destacam pelo seu número, o cuidado das vestimentas e a invariável presença dos instrumentos das orquestras de plectro.

Referências citadas

  1. Comoxo, Xosé e Santos, Xesus. (2016). Arcos Moldes. Mestre sen escola. O Rianxo do seu momento 1865-1944. Corunha: Deputação.
  2. El Eco Comercial. (1885). “Variedades”. Vila Garcia: 26 de setembro, p. 23.
  3. El Lucense. (1893). Lugo: 15 de junho, p. 3.
  4. Gaceta de Galicia. (1896). “Desde Villagarcia”. Compostela: 4 de novembro, p. 2.
  5. La Opinion. Diario de Pontevedra. (1896). “Certámen musical de Tuy”. Ponte Vedra: 19 de julho, p. 2.
  6. Leboreiro Amaro, Maria A. (1997). Redondela, crónica gráfica dun pasado recente. Vigo(?): Promociones Rodriguez y Couñago.
  7. Migueles, Juan. (2017). “Orfeóns,Corais e Rondallas”. Blog Anecdotario Redondelán: 22 de janeiro. Consultado em 01/08/2019.
  8. Mundial Música. (1919). “Sumario de los números publicados en Mundial Música”. Valencia: n. 43, julho, p. 20.
  9. Rei-Samartim, Isabel. (2020). A guitarra na Galiza. Tese de doutoramento. Universidade de Santiago de Compostela.
  10. Santos, Xesus e Comoxo, Xosé (1994). Biografía de Arcos Moldes. (Rianxo: apuntes dunha vila mariñeira). 1865-1944. Rianjo: Câmara Municipal.
  11. Varela de Vega, Juan Bautista. (2001). “Felipe Paz Carbajal, un gran músico del XIX gallego”. Museo de Pontevedra(55), pp. 317-336.
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